A moda gestante e a gravidez no século XIX

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Não existe muito material escrito sobre a gravidez no período vitoriano, pois era ilegal a publicação de informações sobre controle de natalidade, e na literatura do dia a dia, os autores eram mestres em ‘produzir’ um filho sem qualquer menção à gravidez, que certamente procedia o evento. Ainda sim, esperava-se que as mulheres se casassem jovens e tivessem tantos filhos quanto possível – uma média de oito, dos quais cinco poderiam viver até a idade adulta.

A gravidez era considerada uma questão muito particular, e não é nenhum exagero especular que o termo ‘confinamento’ significava um pouco mais para as mulheres vitorianas. Até em determinado momento, a vida da mulher continuava como de costume, pois uma mulher grávida tinha que ser vista em público mesmo algumas vezes quando sua gravidez começava a ficar óbvia. Na verdade, também era esperado de mulheres da classe trabalhadora que trabalhassem até o dia do parto.

Raríssimo exemplo de um corpete de grávida, 1892.

Raríssimo exemplo de um corpete de grávida, 1892.

Mas em uma época em que uma cintura pequena era admirada, como é que as mulheres lidavam com a expansão de sua cintura e barriga? Com corpetes, óbvio, com laços extras nas laterais, que poderiam ser soltos conforme a gravidez avançava. Apesar do conselho médico explícito para não apertar muito os laços do corpete que poderiam prejudicar o desenvolvimento do feto, sem mencionar os órgãos, muitas mulheres usam espartilhos em suas gestações.  Fabricantes comercializavam ‘corpetes maternidades’, mas de acordo com uma professora da Universidade de Virgínia os espartilhos maternos não eram projetados para suportar a barriga, e sim mascará-la, para minimizar o tamanho do corpo da grávida.

Isso porque no período vitoriano a gravidez resultava na perda da independência – muitas mulheres perdiam seu emprego quando anunciavam sua gravidez, e as mais ricas não poderiam mais participar de festas, bailes e eventos públicos. Além disso, a sociedade mostrava a mulher como mansa e virtuosa, e a gravidez contradizia essa imagem ideal, pois mostrava evidências físicas de que a mulher participara de uma relação sexual. Isso mostrava que elas não eram criaturas recatadas e para não causar constrangimento ou desconforto para outros era esperado que as mulheres escondessem sua gravidez dos olhares públicos.

Também devemos considerar que muitas pessoas nasceram durante a era vitoriana, e nem todos eles – ou a maioria – não nasceram mal-formados porque suas mães usavam espartilhos. Além disso, as mulheres entravam em confinamento nas últimas semanas do nascimento, e provavelmente não usavam espartilhos em suas casas, e sim vestidos.

Vestido estilo 'wrapper' de 1850.

Vestido estilo ‘wrapper’ de 1850.

A peça de roupa mais popular para grávidas era o chamado ‘wrapper’ – uma peça de roupa de gola e mangas altas, folgado pelos padrões da época, que eram fechados inteiramente pelos botões na frente. A vantagem de ser capaz de tirar o vestido e colocá-lo sem ajuda era particularmente importante para uma mãe que amamentava. Mesmo sem estarem grávidas, muitas mulheres usavam wrappers como camisolas. Esses vestidos não eram usados em públicos, pois eram considerados adequados apenas para encontros pessoais informais.

Em meados do século XIX houve um estreitamento da cintura, mas como esse foi um processo gradual, muits mulheres poderiam adaptar as mudanças com fechos e cordões. As sais se tornaram amplas, permitindo alguma margem para manobrar as ancas e o estômago. As mulheres geralmente alteravam seus vestidos para a gravidez, ao invés de usar vestidos especificamente desenhados para esse fim. No final do século XIX, a cintura começou a baixar e a saia a alargar, a crinolina aumentou de tamanho, e as sais elaboradas poderiam ser usadas para esconder a gravidez.

Um cuidado curioso que tinha-se em relação com as gravidez era que, desde Renascimento, havia uma crença generalizada de que se uma mulher grávida olhasse para animais ou pessoas disformes isso de alguma forma se manifestaria em seu filho. Em 1858, a Arquiduquesa Sofia, sogra da Imperatriz Elisabeth da Áustria, escreveu ao seu filho, o Imperador Franz Joseph, para alarmá-lo do amor de sua esposa grávida pelos animais:

“Eu não acho que Sisi deve gastar tanto tempo com os papagaios, pois se uma mulher fica sempre olhando para os animais, especialmente durante os meses anteriores (ao parto) a criança pode crescer e se parecer com eles”.

Mulher grávida e seu marido por volta de 1878.

Mulher grávida e seu marido por volta de 1878.

A gravidez fora do casamento era muito raro entre as classes altas, pois as mulheres eram geralmente acompanhadas em suas atividades diárias. Nas classes médias, quando acontecia, a menina era obrigada a se casar ou mandava-a embora para dar à luz em segredo, e a criança enviada para adoação. Ao longo do século XIX, muitos recém-nascidos eram encontrados abandonados, geralmente estrangulados ou sufocados. Se a mãe fosse encontrada, poderia ser acusada de assassinato e condenada à morte. No caso de gravidez como consequência do estupro, os tribunais não faziam nenhum esforço para localizar o pai, e como consequência, muitas mulheres faziam um processo para apenas forçar o pai a pagar o que seria equivalente à pensão alimentícia hoje. Os homens muitas vezes negavam a paternidade, mas a mulher geralmente era creditada pelos tribunais e quase sempre conseguiam a pensão.

Nos Estados Unidos, e em grande parte da Europa, as mulheres eram definidas e julgadas por quão bem elas realizavam o papel de mães e filhas. Em 1800, as mulheres dariam à luz a uma média de sete ou oito filhos em suas vidas, e um levantamento feito em 1820 mostrou que 20% das mulheres davam à luz a 10 ou mais filhos. Em 1850 nos Estados Uniso a taxa de mortalidade infatil era 28%, e a chance de uma mulher morrer no parto era de uma em cada oito. A própria Rainha Vitória detestava ficar grávida – ela considerava as repetidas gravidezes como “um coelho ou uma cobaia do que qualquer outra coisa, e não muito agradável”. Ela também não gostava de amamentar, achando a prática repugnante.

Foto rara de uma mulher grávida de meados de 1880 posando sozinha para uma foto.

Foto rara de uma mulher grávida de meados de 1880 posando sozinha para uma foto.

A grande maioria dos nascimentos do século 19 aconteciam em casa, e eram assistidos por parteiras tradicionais que obtinham sua formação através de experiências práticas. Mesmo em 1900, mais de 90% dos partos ocorriam em casa. No final do século 19, os médicos, motivados em grande parte pelo potencial de rendimento dos nascimentos, começaram a oferecer os hospitais como uma lugar mais limpo e ‘científico’ para as mães urbanas terem os seus bebês, além de medicamentos para o alívio da dor (para as mães trabalhadoras, isso significava morfina e escopolamina, que além de aliviar a dor apagavam a memória do nascimento, podendo também causar complicações no parto).

Veja mais algumas fotos da moda gestante e de mulheres grávidas do século 19:

Vestido de grávida de 1899.

Vestido de grávida de 1899.

Vestido de grávida da Inglaterra, 1858 - 1860.

Vestido de grávida da Inglaterra, 1858 – 1860.

Roupa de sair de grávida, 1870 - 1879.

Roupa de sair de grávida, 1870 – 1879.

Um padre de Moldova e sua esposa grávida, 1870.

Um padre de Moldova e sua esposa grávida, 1870.

Um modelo diferente de corpete para grávidas.

Um modelo diferente de corpete para grávidas.

Mulher vitoriana grávida.

Mulher vitoriana grávida.

Foto rara de uma mulher grávida de 1860.

Foto rara de uma mulher grávida de 1860.

Margaret Gray, mulher grávida da Nova Zelândia, tenta disfarçar sua gravidez com um casaco largo na década de 1870.

Margaret Gray, mulher grávida da Nova Zelândia, tenta disfarçar sua gravidez com um casaco largo na década de 1870.

Mary Anne Downes, da Nova Zelândia, tenta disfarçar sua gravidez com um casaco largo na década de 1870.

Mary Anne Downes, da Nova Zelândia, tenta disfarçar sua gravidez com um casaco largo na década de 1870.

Conhecido como "vestido de chá", usado de manhã, também era comum para gravidas.

Conhecido como “vestido de chá”, usado de manhã, também era comum para grávidas.

Wrapper de 1863.

Wrapper de 1863.

Outro modelo de "vestido de chá" de 1895-1900. Embora fosse preferido por grávidas, não eram necessariamente usados só por elas.

Outro modelo de “vestido de chá” de 1895-1900. Embora fosse preferido por grávidas, não eram necessariamente usados só por elas.

Bibliografia:
Victorian Maternity Wear“,
Pregnancy in the 1800s“, por Amy Wilde
Pregnancy and Childbirth“, por Helena Wojtczak
Victorian Image of Pregnancy through Corsetry“, por Emily Bach
Maternity Wear: Nineteenth Century“,
12 Terrible Pieces of Advice for Pregnant Women“, por Linda Rodriguez McRobbie

32 Respostas para “A moda gestante e a gravidez no século XIX

  1. Achei lindas as fotos de alguns vestidos wrapper e modelos de chá, mas que coisa estranha essas roupas nas gestantes. Acho que era por isso que quase não vemos fotos de grávidas nessa época.

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  2. Meu Deus que horror a vaidade estava em primeiro lugar até na gravidez e já vem de longe outro tipo de vaidade que chega até nos dias de hoje sem pensar no Bebezinho.

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  3. Só uma observação: os espartilhos do século XIX não era uma vaidade. Esse período foi o mais massacrante às mulheres e seus corpos foram moldados de acordo com a preferência masculina e da sociedade em geral. Hoje nós temos opções de não seguir o que a sociedade impõe, mas naquela época não podia: mulher que não tivesse cinturinha, ou largas ancas, mãos e pés pequenos, pele pálida, não casava de jeito nenhum. Essa mulher provavelmente se tornaria prostituta ou morreria de fome. É ridículo? Claro… Sem dúvida que sim. Mas, mais do que isso, era cruel.

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    • Exatamente! Usar espartilho, roupas longas e fechadas eram para todas. Eram as exceções as mulheres que usavam saias curtas, mangas curtas e decotes. Hoje em dia é fácil achar isso repulsivo, mas não tinha opções. Sair sem corpete na época é mais ou menos igual sair de roupa transparente sem sutiã. Tem quem faz mas…. Não é bem visto, e nem respeitado.

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  4. Outros tempos, outros valores.
    Mas eles perduraram muito depois da era vitoriana. Lembro de minha mãe, costureira, hoje com 98anos, aconselhando suas freguesas grávidas a esconderem a barriga para as pessoas não pensarem “coisas feias”.

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    • Incrível e contraditório o fato de que um mesmo ato (o sexo) e sua consequência (a gravidez) possam ser avaliados de forma tão discrepante, ao se tratar de um homem ou de uma mulher. No caso do primeiro, prova de virilidade e, portanto, motivo de orgulho; para a última, demonstração de promiscuidade e motivo de vergonha.

      E ainda tem gente que não compreendeu a citação no ENEM da Simone de Beauvoir…

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  5. Nossa! Deve ter sido uma coisa horrorosa. Nenhuma mulher poderia se dar o desfrute de aparecer grávida. Se no séc XX Leila Diniz foi super criticada por mostrar a barriga imagina em séculos anteriores.. rsrsrs

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  6. Ainda bem que vivemos em outra época. Mesmo assim é triste saber que as mulheres sofriam até nesse quesito. Ser mal vista porque estava grávida? Sexo era o quê? Algum tipo de crime? Ridículo

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  7. Eu acho que muito se perdeu com esta revolução, respeito, carater e principalmente a moral. Enquanto a mulher se preservou não tinha esta bagunça de “pegar” vários em uma noite. Tanta banalidade fez a mulher perder o encanto e so “entrar na fila”. Os tempos não eram fáceis mas conseguir uma mulher tambe não era!

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    • Dina Florencio em parte concordo consigo, infelizmente sempre houve mulheres que não se significam e dignificam assim como há homens que qualquer uma lhes serve, e é por causa destas mentalidades pequenas que muita gente não conhece a palavra RESPEITO!!!!

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    • Onde? NA EUROPA amamentam em zonas públicas, aliás em qualquer centro de saude é aconselhado alimentar o bebé com o leite da mãe… vamos ter atenção aos absurdos

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  8. Como os costumes e visões mudam com os tempos …. Ao contrario hj a mulher no período de gestação é vista com bons olhos, e venerada pela sua dádiva de ser mãe … de carregar uma nova vida … Pois a mulher fica radiante …

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  9. Queria ter uma máquina do tempo só para voltar em períodos assim e contar pra todo mundo que o futuro não tão bom, mas muita coisa melhorou! E nem precisa muito, minha bisavó ficaria encantada só de saber que hoje não precisamos ferver o leite e ele dura até uns 4 dias na geladeira! Rsss

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  10. Eh hoje temos todos os cuidados necessários se temos dinheiro e mesmo assim ainda tem mortes de mães e de bebês, realmente naquela época deveria ser algo que as mulheres não tinha outra saída e com certeza poderia descrever como a Rainha Vitória dizia…o que hoje é alegria a espera de um bebê lá então era tristeza pois era um filho atrás do outro

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  11. A minha avó materna, Carolina d’Ajuda, pariu 14 filhos, mas só 5 chegaram à idade adulta. Passavam literalmente a vida grávidas, as Mulheres desse tempo. A minha Mãe dizia que os Homens, quando têm um desgosto, abatem logo, vão-se abaixo, mas que as Mulheres, quando voltavam a casa do cemitério onde tinham ido enterrar um Filho, iam logo para o fogão pôr a panela ao lume, que os outros precisavam de comer! As Mulheres aprenderam a fazer tudo a chorar, dizia ela!

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  12. Amo a página de vocês. Me sinto um pouco desnaturada por ter descoberto o blog agora.
    De toda forma, muitíssimo obrigada por compartilharem isso conosco. Sou escritora e um dos meus períodos favoritos na História da humanidade é o vitoriano. ❤

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