Post mortem e Falsos Post-Mortem: Mitos e verdades sobre a fotografia de mortos da Era Vitoriana

artigo

A fotografia post-mortem é tão conhecida e difundida que eu nem preciso dizer do que se trata – mas se trata de fotografias de pessoas que já morreram, para que a família pudesse ter uma lembrança do falecido. Embora essa prática ainda fosse muito comum no século XX e, com a invenção de celulares que tiram foto, essa tem se tornado uma prática ainda grande no nosso século XXI. No entanto, a fascinação das pessoas com a morbidez vitoriana tomou contornos tão grandes que, hoje em dia, não é preciso muito para que qualquer fotografia vitoriana se transforme logo em uma fotografia post-mortem. Irei detalhar nos meus artigos alguns mitos e verdades sobre a fotografia de mortos da Era Vitoriana, com dicas de como não se deixar enganar.

 Príncipe Albert Victor de Gales, Duque de Clarence e Avondele.

Príncipe Albert Victor de Gales, Duque de Clarence e Avondele.

Olhos vidrados/olhos muito claros

A foto à esquerda é tão popularmente difundida como post-mortem que muitos nem se preocupam em pesquisar sua fonte: o garotinho retratado é ninguém menos que  o Príncipe Albert Victor de Gales, Duque de Clarence e Avondele. Ele morreu aos 28 anos em 1892 – e obviamente não estava morto na hora da foto.

A arte da fotografia era difícil principalmente para crianças – pois tinha que se ficar parado, imóvel, por alguns minutos, o que poderia ser bem complicado. Assim, algumas crianças eram fotografadas bem de manhã, quando ainda estivessem sonolentas para não se mexerem muito. Especificamente nessa fotografia ainda temos um agravante: os olhos claros da criança fazem-no parecer com um olhar um tanto quanto vidrado

Casal vitoriano. Ela tem olhos claros, e ele não está olhando para a câmera, mas nenhum dos dois está morto.

Casal vitoriano. Ela tem olhos claros, e ele não está olhando para a câmera, mas nenhum dos dois está morto.

Homem vitoriano com olhos claros.

Homem vitoriano com olhos claros.

Homem vitoriano de olhos claros.

Homem vitoriano de olhos claros.

Apesar de eu admitir que a cabeça da mãe tem um formato bem distinto, a criança não está morta.

Apesar de eu admitir que a cabeça da mãe tem um formato bem distinto, a criança não está morta – só tem olhos mais claros.

Nenhum dos dois está morto.

Nenhum dos dois está morto.

Mãe e sua filha. Os olhos extremamente claros da menina a deixam com um olhar bem assustador.

Mãe e sua filha. Os olhos extremamente claros da menina a deixam com um olhar bem assustador.

 

 Thomas "Tad" Lincoln III.

Thomas “Tad” Lincoln III.

Suporte atrás da pessoa

Essa é outra foto popularmente vista e compartilhada como post-mortem (apenas por causa do objeto atrás do menino). Mas esse rapaz é na verdade Thomas “Tad” Lincoln III, filho do presidente Abraham Lincoln e que morreu aos 18 anos – bem depois dessa foto ter sido tirada. Acredita-se que ele tenha morrido de tuberculose ou pneumonia.

O objeto que está atrás dele, conhecido como stand, era um suporte para que a pessoa de encostasse e não ficasse se movendo. Ainda mais importante, nunca que um suporte de madeira seria forte o suficiente para apoiar um corpo morto – então se você ver um suporte atrás da pessoa, ele com certeza está vivo (os mortos não precisavam de ajuda para ficarem parados). Por isso, a maioria das verdadeiras post-mortem são feitas com o indivíduo sentado ou deitado. Vejam alguns exemplos desse objeto:

Crianças com suporte. A menina estava tão viva que até saiu 'borrada' na foto.

Crianças com suporte. A menina estava tão viva que até saiu ‘borrada’ na foto.

Crianças com suporte. A tecnologia não permitia que a mão segurasse algum objeto depois de mortos.

Crianças com suporte. A tecnologia não permitia que a mão segurasse algum objeto depois de mortos.

Atriz Lillian Gish posa com um 'suporte para a cabeça', mas não porque ela estivesse morta, mas para mostrar uma técnica de fotografia.

Atriz Lillian Gish posa com um ‘suporte para a cabeça’, mas não porque ela estivesse morta, mas para mostrar uma técnica de fotografia.

Mais um garotinho vivo, em uma fotografia no estilo de Ted Lincoln.

Mais um garotinho vivo, em uma fotografia no estilo de Ted Lincoln.

Supostamente o dispositivo que mantinha os mortos de pé. Mas eu me pergunto, as pernas ainda sustentariam o peso do corpo falecido?

Supostamente o dispositivo que mantinha os mortos de pé. Mas eu me pergunto, as pernas ainda sustentariam o peso do corpo falecido?

O suporte que era utilizado para sustentar os corpos mortos era uma cadeira, em que o corpo seria sentado e amarrado com cintas em torno do peito, por baixo das roupas. Muitas vezes, a família se sentaria perto dele.

Lewis Carrol.

Lewis Carrol.

“Parece que está dormindo” / Não olha para a câmara / Mãos escuras

Outras três características tipicamente associadas com fotografias post-mortem: pessoa sentada, com olhos um pouco fechados, sem olhar para a câmara-  de modo ‘contemplativo’. Essa foto da esquerda tem todos esses detalhes, se não fosse por um: o homem retratado  é Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido como o escritor Lewis Carroll. Ele morreu em 1898, bem depois que essa foto foi tirada.

Parecer que está dormindo era uma das técnicas mais usadas para fotografias post-mortem, e ainda sim parece claro quando a fotografia é de um morto – por exemplo, fotografias de pais segurando seus filhos. As mãos escuras também são outro detalhe visto característico de fotografias post-mortem – no entanto, é notável, como podemos ver aqui, que as fotografias reconhecidamente post-mortem não mostram o morto com as mãos escuras. Então, não existe ligação.

Fotografia post-mortem. as mãos não estão segurando as flores.

Fotografia post-mortem. as mãos não estão segurando as flores.

Jovem no túmulo, com sua irmã do lado - que está viva, e ficou borrada.

Jovem no túmulo, com sua irmã do lado – que está viva, e ficou borrada.

Irmãos com sua irmã morta. Fotografia de Paul Frecker.

Irmãos com sua irmã morta. Fotografia de Paul Frecker.

Fotografia de uma jovem desconhecida, entre entre 1840-1860). Mãos escuras não significam nada.

Fotografia de uma jovem desconhecida, entre entre 1840-1860). Mãos escuras não significam nada.

Fotografia de uma família chamada "Adams", em 1846, com seu filho dormindo.

Fotografia de uma família chamada “Adams”, em 1846, com seu filho dormindo.

A mulher é cega ou está morta.

A mulher é cega (?)

Não olhar para a câmera não significa, nem por um momento, que a pessoa estava morta – não tirar fotografias olhando diretamente para a câmera era comum, assim como era comum que as pessoas saíssem sérias nas fotos e não sorrindo – pois não era fácil sorrir, imóvel, por vários minutos. Ainda sim, fotografias de pessoas cegas podem ser bem confundidas com post-morte, como se pode ver acima.

Fotografia post-mortem de uma jovem com um livro. Seus olhos foram pintados.

Fotografia post-mortem de uma jovem com um livro. Seus olhos foram pintados.

No final das contas, as fotos post-mortem eram realmente de pessoas mortas.

A idéia das fotos post-mortem é que os mortos fossem lembrados, mas não que parecessem vivos quando a fotografia fosse tirada.

Diz-se popularmente que um terço de todas as fotografias tiradas no século XIX eram post-mortem: supostamente, porque o indivíduo não tinha vivido o suficiente para celebrar uma ocasião especial, sido incapaz de tirar uma fotografia. No entanto, com o passar dos séculos, as próprias famílias norte-americanas começaram a destruir fotografias post-mortem, que passaram a ver como repulsivas. Então, hoje em dia, sobrevivem poucas fotografias genuinamente post-mortem.

Para identificarmos uma fotografia  como post-mortem, é necessário nos atentarmos para vários detalhes. A maioria das pessoas morriam em suas camas ou eram veladas em suas casas. Assim, a maioria das fotos vitorianas post-mortem são de pessoas envoltas em tecido, como no túmulo. Flores também eram muito usadas, para disfarçar o cheiro de putrefação. Além disso, o mais marcante é a maquiagem nos olhos, muitas vezes usada para ‘dar vida’. Além disso, quando uma fotografia post-mortem era tirada em estúdio, geralmente os acompanhantes já iam vestidos com roupas de luto e, em grande parte, principalmente com mães e bebês, era tirada uma foto olhando para o morto.

flore

Criança morta, com flores e olhos pintados.

Fotografia post-mortem em estúdio.

Fotografia post-mortem em estúdio.

3edc0c22d05d1573346de55e32e44fd2

Mãe olhando para sua filha. Post-mortem.

Familia com um bebê em seu caixão.

Familia com um bebê em seu caixão.

 

Jovem morta, envolta em tecido.

Jovem morta, envolta em tecido.

 

 

Jovem morto. Os olhos e lábios foram claramente pintados.

Jovem morto. Os olhos e lábios foram claramente pintados.

 

 

 

22 Respostas para “Post mortem e Falsos Post-Mortem: Mitos e verdades sobre a fotografia de mortos da Era Vitoriana

  1. Olá. Eu estou com uma pesquisa na universidade sobre esse tema. Na verdade eu pesquiso A presença da fotografia mortuária no sertão da Bahia. Ainda n achei nenhuma fotografia do morto como vivo, mas tenho esperanças. Adorei sua postagem. 😉

    Curtir

  2. Boa noite Maria Helena. Também sou formada em História. Gostaria de saber quais as bibliografias que você utilizou para fazer este texto? Um dos meus objetos de estudo é sobre Cartes de visite post-mortem e não existem muito material sobre isto.

    Curtir

    • Oi Alessandra! Se você já viu algum outro dos meus post, sabe que sempre no final deles consta bibliografia. Neste aqui não consta nada porque fiz com meus próprios conhecimentos mesmo, utilizando principalmente dos comentários das pessoas na página do Era Vitoriana no Facebook – sempre tem um ou dois que comentam “Ah, mas parece que está dormindo” / Não olha para a câmara / tem mãos escuras / tá com olhos vidrados/olhos muito claros / Tem um suporte atrás/ então é lógico que está morto” 😛

      Curtir

        • Posso sim, mas só conheço literatura estrangeira. “Postmortem”, de Patrícia Cornwell, é um clássico; “Postmortem: How Medical Examiners Explain Suspicious Deaths” de Stefan Timmermans, “Sleeping beauty: memorial photography in America” de Stanley B. Burns, “Encyclopedia of nineteenth-century photography: A-I, index” de John Hannavy, e também “Beyond the Dark Veil: Post Mortem and Mourning Photography from the Thanatos Archive” de Jack Mord!

          Curtir

  3. Vdd, não tem como manter um morto de pé, ainda mais naquela época, que era muito demorado pra tirar fotografia, e o rigor mortis, como por em pé e posicionar um corpo ja endurecido?

    Curtir

  4. Mas essas fotos existiam mesmo? Post Mortem? vi algumas com o povo em pé e umas deitados, acho que só as deitados eram reais. Prática muito usada na era vitoriana, e a maioria eram nobres, visto que fotografia era coisa de luxo na época!!!!!!

    Curtir

    • Oi Ana, existiam sim, mas muito diferente do que a maioria das pessoas pensam que é. Nas fotos post mortem, fica muito claro que o indivíduo está morto. Além disso, a partir da década de 1860 a fotografia já havia se popularizado e tornado acessível para praticamente qualquer classe social.

      Curtir

  5. Legal a materia, olhando 3 fotos antigas aqui em casa uma tenho certeza que é, mas as ohtras duas tenho duvidas ainda kkkk são da Alemanha, ai fico ate na duvida se são pare tes meus

    Curtir

  6. Legal a materia, olhando 3 fotos antigas aqui em casa uma tenho certeza que é, mas as ohtras duas tenho duvidas ainda kkkk são da Alemanha, ai fico ate na duvida se são anceatrais meus ou não, tem uma islogam não sei se é do estudo wue tirou ou algo assim.

    Curtir

Deixe um comentário